O Que é Thelema
Uma introdução básica ao pensamento thelêmico

Introdução
Thelema, para um observador externo, apresenta-se como um complexo e multifacetado sistema de pensamento e prática. Não se restringe a uma única definição, manifestando-se como uma filosofia social ou espiritual esotérica ocidental, um novo movimento religioso e um modo de vida fundamentada nos conceitos do humanismo contemporâneo. Fundada no início do século XX por Aleister Crowley, um proeminente escritor, místico, ocultista e mágico cerimonial inglês, Thelema transcende as categorizações rígidas. Sua natureza intrínseca enfatiza a individualidade e a singularidade da Vontade de cada pessoa, o que, por sua vez, torna desafiador generalizar sobre sua essência ou sobre seus seguidores. Essa característica singular significa que Thelema não se alinha perfeitamente com o conceito tradicional de “religião” no sentido ocidental, que frequentemente implica dogmas fixos e proselitismo ativo. Em vez disso, Thelema oferece um arcabouço para a autorrealização que pode ser integrado em diversas dimensões da existência humana, abrangendo desde o aspecto intelectual e filosófico até o espiritual e prático, sem a exigência de uma conversão total a um credo específico. É mais precisamente um caminho ou abordagem do que uma crença convencional.
O Profeta de Thelema: Aleister Crowley e a gênese do Liber AL vel Legis
No cerne da gênese de Thelema encontra-se a figura enigmática de Aleister Crowley, reconhecido como seu fundador e profeta. Sua biografia revela uma trajetória singular: nascido Edward Alexander Crowley em 12 de outubro de 1875, em Warwickshire, Inglaterra, ele provinha de uma família abastada e profundamente religiosa, ligada à Irmandade de Plymouth. Desde cedo, Crowley demonstrou um espírito rebelde, a ponto de sua mãe o apelidar de “A Besta do Apocalipse”. Ele chegou a mudar seu nome para Aleister, uma forma gaélica de Alexander, para não compartilhar o nome do pai, que faleceu quando ele tinha 11 anos. Embora talentoso em diversas áreas como poesia, xadrez e alpinismo, Crowley abandonou a Universidade de Trinity, Cambridge, em 1895, pouco antes de concluir seus estudos, percebendo que uma carreira diplomática não se alinhava com seus planos de se tornar uma figura publicamente admirada e imortalizada. Sua verdadeira consagração veio com a revolução do Ocultismo e da Magia no século XX, impulsionada por seu contato com a Ordem Hermética da Aurora Dourada em 1898, onde foi iniciado com o lema “Perdurabo”.
O sistema thelêmico de Crowley tem sua pedra angular em O Livro da Lei, oficialmente intitulado Liber AL vel Legis. Crowley afirmou que este texto foi ditado a ele por uma entidade não-corpórea chamada Aiwass em 1904, no Cairo, Egito, durante sua lua de mel com Rose Kelly. O livro é composto por três capítulos, cada um recebido em exatamente uma hora, ao meio-dia, nos dias 8, 9 e 10 de abril de 1904. Crowley descreveu a voz de Aiwass como vindo por cima de seu ombro esquerdo, com um timbre profundo, musical e apaixonado, sem sotaque reconhecível. Ele enfatizou que a escrita não era automática, mas sim a sensação de uma voz real falando com ele. Embora Crowley tenha admitido a possibilidade de Aiwass ser uma manifestação de seu próprio subconsciente, ele sustentou que a mensagem transmitida era tão extraordinária e transcendente à experiência humana que exigia uma inteligência preternatural. Essa dualidade entre a fonte externa (Aiwass) e a possível origem interna (o subconsciente de Crowley) é um aspecto notável que confere à revelação thelêmica uma profundidade e uma natureza não-dogmática, posicionando a autoridade fundacional de Thelema em uma base mística, mas com espaço para a subjetividade e a interpretação individual.
A Lei de Thelema: “Faze o que tu queres será o todo da Lei” e “Amor é a lei, amor sob a vontade” como axiomas centrais
Os pilares filosóficos de Thelema são encapsulados em dois axiomas fundamentais
- Faze o que tu queres será o todo da Lei. [Liber AL, Cap. I, vers. 40]
- Amor é a lei, amor sob a vontade. [Liber AL, Cap. I, vers. 57]
É crucial compreender que a Lei de Thelema, apesar de frequentemente mal interpretada, é o oposto de uma licença para a licenciosidade ou irresponsabilidade. Pelo contrário, ela representa um chamado supremo para que cada ser humano assuma plena responsabilidade por sua própria vida, por cada uma de suas decisões e pelas consequências delas. Mais profundamente, é uma chamada à responsabilidade pelo próprio autoconhecimento, visando à descoberta do objetivo central de sua existência: a sua Verdadeira Vontade e a subsequente realização desse objetivo. Para um thelemita, este é o verdadeiro significado da liberdade. A profundidade desta Lei reside na compreensão de que a liberdade em Thelema está intrinsecamente ligada à responsabilidade e ao autoconhecimento. A Lei não é permissiva, mas um mandato para a autodisciplina e a busca interna, estabelecendo que a verdadeira liberdade só pode ser alcançada através da descoberta e alinhamento com a Verdadeira Vontade, o que, por sua vez, exige responsabilidade total pelas próprias ações e suas consequências.
A interpretação do axioma “Faze o que tu queres será o todo da Lei.” é objeto de duas principais escolas de pensamento dentro de Thelema, o que demonstra a flexibilidade intelectual e a natureza não dogmática da filosofia. A primeira perspectiva considera-a uma lei descritiva, sugerindo que qualquer ato realizado, por sua própria ocorrência, já está em conformidade com as leis que governam tais ações. Esta visão implica que a Vontade é uma força cósmica inerente, e todas as ações, em última instância, se alinham a ela, independentemente da consciência individual. A segunda escola de pensamento, por outro lado, vê “Faze o que tu queres será o todo da Lei.” como uma meta a ser alcançada. Nesta interpretação, é possível agir contra a própria Verdadeira Vontade, e a harmonia seria alcançada se todos agissem em alinhamento com a sua Verdadeira Vontade. Esta perspectiva enfatiza a agência individual e o esforço consciente na busca e manifestação da Verdadeira Vontade. A coexistência dessas duas interpretações é um reflexo da complexidade da própria Vontade e da liberdade, e é crucial para um público externo entender que Thelema não é um monólito interpretativo, permitindo diferentes abordagens para o mesmo axioma fundamental.

A Verdadeira Vontade
A essência da filosofia thelêmica reside na compreensão profunda de seu axioma central: “Faze o que tu queres será o todo da Lei”. Esta máxima, embora frequentemente mal interpretada como uma licença para o hedonismo ou a irresponsabilidade, é, na verdade, o oposto. Como visto acima, a Lei de Thelema é um chamado supremo para que cada indivíduo assuma total responsabilidade por sua vida, suas escolhas e as consequências delas. Mais do que isso, é um imperativo para o autoconhecimento, com o objetivo de descobrir e realizar a própria Verdadeira Vontade. A Verdadeira Vontade não é um mero capricho ou desejo egoísta, mas sim um propósito divino e individual que transcende os anseios ordinários. Ela representa a natureza mais íntima de um indivíduo, seu caminho de vida autêntico e inerente. Para um thelemita, a liberdade genuína é alcançada precisamente através da descoberta e alinhamento com essa Verdadeira Vontade, o que exige autodisciplina e uma busca interna constante.
A Descoberta da Verdadeira Vontade: A Grande Obra e o caminho para a autorrealização
A busca pela Verdadeira Vontade é o cerne do que em Thelema se denomina Grande Obra. Este caminho é a jornada para a autorrealização e o cumprimento pessoal, onde o objetivo primordial de um thelemita é encontrar e executar sua natureza mais íntima ou seu curso de vida adequado. As técnicas e métodos empregados para alcançar esse objetivo são coletivamente referidos como Magick. Magick, nesse contexto, não se refere a truques ou manipulações sobrenaturais, mas sim a um conjunto de práticas e exercícios destinados a alinhar a consciência e as ações do indivíduo com sua Verdadeira Vontade, permitindo-lhe efetuar mudanças em sua vida e na realidade em conformidade com esse propósito divino.
Ética Thelêmica: A ética da não-interferência e o respeito pela Vontade alheia
A ética thelêmica, embora seja uma questão de escolha pessoal, é permeada por temas consistentes nos escritos de Crowley e outros filósofos thelêmicos. Um princípio ético fundamental que emerge da filosofia da Verdadeira Vontade é a ética da não interferência. Thelemitas sustentam que interferir na Vontade e na liberdade de outra pessoa é, provavelmente, um ato que estará em desacordo com a própria Verdadeira Vontade. A manutenção desta perspectiva fomenta um ambiente de respeito mútuo e confiança, desencorajando a presunção de que se pode conhecer a Verdadeira Vontade de outrem melhor do que a própria pessoa. Consequentemente, essa ética incentiva os indivíduos a trilhar seu próprio caminho da Verdadeira Vontade, em vez de depender da orientação ou imposição de outros.
A interdependência entre a liberdade individual e social é um aspecto crucial dessa ética. A liberdade em Thelema não é uma liberdade egoísta ou isolada, mas uma liberdade que se manifesta no respeito pela autonomia alheia. O respeito pela Verdadeira Vontade do outro é visto como uma extensão e uma manifestação da própria Verdadeira Vontade. Isso estabelece uma base para o conceito de Irmandade Universal , que não se baseia na conformidade, mas na autonomia mútua. A harmonia social é, assim, concebida como um resultado natural do alinhamento de cada indivíduo com sua Verdadeira Vontade e o respeito pela Verdadeira Vontade dos demais.
“Todo homem e toda mulher é uma estrela”: O conceito de divindade inerente e soberania individual
A frase “Todo homem e toda mulher é uma estrela” [AL I:3] é um dos pilares de Thelema, resumindo sua filosofia e enfatizando a divindade inerente e a soberania de cada indivíduo. Essa máxima postula que cada pessoa possui uma Verdadeira Vontade divina, um propósito único e intrínseco que a conecta ao cosmos.
Esta perspectiva representa uma descentralização da divindade, onde o divino não é percebido como uma entidade externa a ser adorada, mas sim como uma qualidade imanente a cada ser humano. Isso implica que o caminho espiritual em Thelema é, fundamentalmente, uma jornada de autodescoberta e de manifestação dessa divindade interior, em vez de uma submissão a uma autoridade externa. Essa visão empoderadora é essencial para a ênfase thelêmica na liberdade individual e no autoconhecimento, distinguindo-a de muitas religiões teístas tradicionais que podem focar mais na obediência a um deus externo. A “estrela” simboliza a individualidade única e o potencial ilimitado de cada ser, brilhando com sua própria luz no vasto universo.
Thelema, Vontade e vontade
No Liber AL o conceito de vontade é apresentado na forma de três grafias distintas, cada uma representando um aspecto dessa vontade.
O primeiro desses aspectos é Thelema (Θελημα), que é uma palavra de origem no idioma grego koiné, significando a vontade dos deuses, principalmente uma vontade com aspectos sexuais de união. Dentro da filosofia thelêmica, quando representada desta forma, representa a Vontade maior do próprio Universo, sendo o resultado da união em Ágape (ἀγάπη) de todas as Vontades individuais. Por sua vez, Ágape, palavra também originária do grego koiné, significa amor, mas não sob uma visão romântica ou emocional e sim representando o mais profundo desejo de união do Eu com o Todo, sem restrições ou julgamentos.
A segunda forma de representação é quando a palavra é escrita com a inicial em maiúscula: Vontade. Ao ser grafada desta forma, representa a Verdadeira Vontade do indivíduo, a sua forma mais íntima e pessoal de ação no mundo e realização de sua existência.
Finalmente, quando grafada com a inicial em minúscula (vontade), representa as diversas formas de desejo com que o ser humano precisa lidar durante suas existência. A vontade, assim, é o coletivo dos desejos mundanos, diários que, muitas vezes, chegam a conflitar e, portanto, atrapalhar a realização da Vontade, devendo ser analisados, compreendidos e domados, para que não se tornem um estorvo no caminho da pessoa.
A Grande Obra: A Busca pela Realização da Verdadeira Vontade
A “Grande Obra” é o empreendimento espiritual central na Thelema, representando a jornada completa de autodescoberta e atualização da Verdadeira Vontade. É o processo de obter conhecimento, conversar com o Sagrado Anjo Guardião (SAG) e realizar a Verdadeira Vontade. É o trabalho da pessoa que pratica a magia remover os obstáculos que impedem a perfeita realização de sua Vontade, que está em perfeita harmonia com Thelema, a Vontade divina, e então executá-la. Essa busca espiritual é descrita como o destino final de uma pessoa. A Ordo Templi Orientis, dedica-se a assegurar a liberdade do indivíduo através da descoberta, expressão e celebração de sua verdadeira natureza.
A Grande Obra não é um evento isolado, mas um processo contínuo de superação pessoal e alinhamento. Isso implica que a Thelema é um caminho de desenvolvimento pessoal e evolução espiritual ininterrupta, onde a pessoa praticante está constantemente trabalhando para refinar seu entendimento e expressão da Verdadeira Vontade, adquirindo a Mestria da Vida. O termo Grande Obra é central para a Thelema. Sua definição como um processo de remover obstáculos deixa claro que é uma jornada ativa e transformadora. Isso prepara o terreno para a discussão da Magick como o método para realizar essa obra.
A conexão entre a Grande Obra e a garantia da liberdade do indivíduo sugere que a verdadeira liberdade na Thelema não é uma ausência total de restrições externas, mas sim uma libertação interna alcançada através do alinhamento com a própria Verdadeira Vontade. Isso liga o desenvolvimento espiritual pessoal diretamente a um conceito de liberdade última e autêntica, onde a autodisciplina leva à autonomia. O propósito declarado da O.T.O. liga a jornada espiritual individual (Grande Obra) a um conceito mais amplo de liberdade. Isso implica que a verdadeira liberdade é a maestria sobre si mesmo e a autorrealização, e não apenas a ausência de coações externas.

Cosmologia Thelêmica e a Teoria dos Eons
A cosmologia thelêmica, embora distinta, é profundamente inspirada na religião do Antigo Egito, utilizando divindades para personificar forças cósmicas e princípios arquetípicos. No topo dessa hierarquia cosmológica estão três deidades principais: Nuit, Hadit e Ra-Hoor-Khuit, que juntas formam uma tríade dinâmica que modela a realidade.
- Nuit é a divindade mais elevada, representando o espaço infinito e a fonte última de todas as possibilidades. Ela é simbolizada como o céu noturno, uma mulher nua coberta de estrelas, encapsulando o ilimitado e o potencial não manifestado.
- Hadit é o contraponto de Nuit: o ponto infinitamente pequeno, o centro de toda experiência. Ele simboliza a manifestação, o movimento e a consciência individual, a essência de cada “estrela”. A união de Nuit e Hadit, o ilimitado e o limitado, o espaço e o ponto, é a base da existência.
- Ra-Hoor-Khuit é a manifestação ativa da união de Nuit e Hadit. Ele é uma forma de Hórus, representando o Sol e as energias ativas de Magick. Ra-Hoor-Khuit é conhecido como o “Senhor do Eon” e “A Criança Coroada e Conquistadora”, simbolizando a expressão da Vontade e a consciência ativa no universo. Ele é o orador do terceiro capítulo do Livro da Lei. Além disso, a cosmologia thelêmica inclui Heru-ra-ha, uma divindade composta por Hoor-paar-kraat (Hórus Criança, o aspecto passivo e do silêncio) e Ra-Hoor-Khuit (o aspecto ativo), representando a totalidade do “Hórus sol-carne”. Essa tríade divina não é apenas um panteão de deuses, mas um modelo metafísico para a criação e a existência, onde o universo é uma dança entre o ilimitado, o limitado e a interação dinâmica entre eles. Para um público externo, isso demonstra que a cosmologia thelêmica é um sistema filosófico complexo, não uma simples mitologia, oferecendo uma lente para entender a natureza da realidade e o lugar do indivíduo nela.
Para facilitar a compreensão das principais deidades thelêmicas e seus significados, a Tabela 1 oferece uma visão concisa e organizada:
Tabela 1: Deidades Thelêmicas e Seus Símbolos
| Deidade | Simbolismo/Função | Panteão Egípcio | Palavra-chave/Axioma Associado |
|---|---|---|---|
| Nuit | O espaço infinito, a fonte de todas as possibilidades, o ilimitado. | Nut | “O espaço infinito e suas estrelas infinitas” |
| Hadit | O ponto infinitamente pequeno, a consciência individual, o movimento. | Behdety | “O ponto, o centro, o coração” |
| Ra-Hoor-Khuit | O Sol, as energias ativas da Magick, a Vontade manifestada. | Ra-Horakhty | “A Criança Coroada e Conquistadora”, “Senhor do Éon” |
| Heru-ra-ha | A totalidade de “Hórus sol-carne”, união de aspectos ativo e passivo. | Heru-ra-ha (composto) | “A Criança”, “O Senhor do Éon” |
| Hoor-paar-kraat | O silêncio, o aspecto passivo, a inocência, o “Bebê no Lótus”. | Harpócrates | “O Bebê no Lótus”, “O Silêncio” |
A Teoria dos Eons: a evolução cíclica da consciência cultural e pessoal
Thelema incorpora uma teoria dos Eons, que descreve a evolução cíclica da Consciência Cultural e Pessoal, dividindo a história humana em distintas eras cronológicas. Cada Eon é caracterizado por traços espirituais e culturais específicos, possuindo suas próprias formas de expressão mágica e religiosa, e uma fórmula única para avanço. Essa teoria não é meramente uma forma de organizar a história, mas uma metanarrativa que justifica a emergência de Thelema como a “religião da Nova Era”.
- O Eon de Ísis é associado à pré-história, um período em que a humanidade reverenciava uma Grande Deusa, simbolizada pela antiga divindade egípcia Ísis. Este Eon era dominado pela ideia Maternal de divindade, e sua fórmula espiritual envolvia a devoção à Mãe Terra.
- Seguiu-se o Eon de Osíris, que abrangeu os períodos clássico e medieval. Durante este tempo, a adoração de um deus masculino singular, representado por Osíris, prevaleceu, refletindo valores patriarcais. A fórmula espiritual deste Eon implicava submissão e auto sacrifício ao Pai Deus.
- O Eon de Hórus é o Eon atual, que se acredita ter começado em 1904 com a recepção d’O Livro da Lei. Simbolizado pelo deus-criança Hórus, este Eon é visto como um tempo de maior consciência, soberania individual e despertar espiritual. A expressão da Lei Divina neste Eon é “Faze o que tu queres será o todo da Lei”. O Eon de Hórus representa um afastamento das restrições e dogmas dos Eons anteriores, particularmente da influência das religiões abraâmicas, e anuncia uma era de autorrealização e de plena realização do potencial humano. Ao descrever o Eon de Hórus como um tempo de maior consciência e soberania individual que supersede os dogmas anteriores, Thelema se apresenta como uma evolução necessária e superior. Isso estabelece uma relação direta entre a revelação de 1904 e a transição para um novo paradigma espiritual, fornecendo ao público externo uma estrutura para entender a reivindicação de Thelema de ser uma religião para o futuro.

Práticas e Rituais
As práticas e rituais em Thelema são concebidos como ferramentas essenciais para a descoberta e manifestação da Verdadeira Vontade, o cerne da filosofia thelêmica. A abordagem thelêmica à espiritualidade é eminentemente prática, focada na transformação individual e na autorrealização.
Magick: Definição e propósito como ciência e arte de causar mudança de acordo com a Vontade
No contexto thelêmico, o termo “Magick” (escrito com ‘k’ para diferenciá-lo da magia de palco ou de superstição) é uma prática central que envolve uma variedade de exercícios físicos, mentais e espirituais. Seu propósito fundamental é auxiliar o indivíduo a descobrir sua Verdadeira Vontade e a efetuar mudanças em sua vida e no mundo que estejam em alinhamento com essa Vontade. Aleister Crowley definiu Magick como “a Ciência e Arte de causar Mudança de acordo com a Vontade”.
É crucial desmistificar o conceito de Magick para um público externo, pois a O.T.O. não instrui seus membros em “magia negra” ou qualquer forma de magia destinada a prejudicar outros. As práticas espirituais da O.T.O. são concebidas para aprimorar a vida de seus iniciados, focando no crescimento pessoal e na autorrealização. A distinção entre Magick e “magia negra” é fundamental para desmistificar a prática thelêmica. Magick não é sobre manipulação sobrenatural para fins egoístas ou maliciosos, mas uma ciência e uma arte para alinhar a consciência e as ações com a Verdadeira Vontade. Isso implica que Magick é uma forma de engenharia da consciência e da realidade pessoal, focada no autodomínio e na autorrealização. Essa redefinição posiciona Magick como uma prática ética e construtiva, essencial para a Grande Obra, e não como uma atividade oculta perigosa ou irresponsável.
Práticas Individuais: diário mágico, Adorações Solares), Yoga e meditação
Para aprofundar o autoconhecimento e alinhar-se com a Verdadeira Vontade, os Thelemitas empregam diversas práticas individuais. Quase todos mantêm um diário mágico, uma ferramenta essencial para registrar suas práticas pessoais, progressos e reflexões, servindo como um instrumento contínuo de autoconhecimento e rastreamento da Vontade.
Uma prática ritualística comum é a realização de uma forma específica de oração quatro vezes ao dia, conforme descrito em Liber Resh vel Helios. Este rito de adoração solar tem como objetivo alinhar o indivíduo com as energias cósmicas e os ciclos do Sol. É um rito originário da Astrum Argentum (A∴A∴), a ordem irmã da O.T.O. e primeira organização iniciática a já ser criada sob os auspícios de Thelema, com a qual esta última mantém uma estreita colaboração.
Além disso, práticas como Yoga e meditação são amplamente utilizadas para explorar a consciência e alcançar o autodomínio. Essas disciplinas são consideradas pilares para o desenvolvimento mental e espiritual, auxiliando o thelemita a aprimorar sua percepção e controle sobre si mesmo. A maioria dos thelemitas também se engaja em vários rituais mágicos, que podem ser realizados individualmente ou em grupo, frequentemente com o propósito de focar sua Vontade em um resultado específico ou em um estado de consciência necessário para seu trabalho espiritual.

Conclusão
Thelema, como explorado aqui, transcende a simplificação de ser meramente uma “religião” ou uma “filosofia”, apresentando-se como um sistema complexo e dinâmico de autorrealização e transformação. Sua origem, enraizada na revelação de Aleister Crowley através do Liber AL vel Legis, estabelece uma base mística, enquanto sua interpretação flexível da Verdadeira Vontade – seja como lei descritiva ou meta a ser alcançada – demonstra uma profunda abertura intelectual e não-dogmática. A Lei de Thelema, “Faze o que tu queres será o todo da Lei. Amor é a lei, amor sob vontade”, não é uma permissão para a irresponsabilidade, mas um imperativo para a descoberta do propósito individual e a assunção de plena responsabilidade pela própria existência. Essa liberdade, paradoxalmente, encontra seu limite e sua expressão mais elevada no respeito pela Verdadeira Vontade alheia, fundamentando uma ética de não interferência que promove a harmonia e a irmandade universal.
A cosmologia thelêmica, com suas deidades Nuit, Hadit e Ra-Hoor-Khuit, oferece um modelo metafísico para a compreensão da realidade, onde o universo é uma dança entre o ilimitado, o limitado e a consciência ativa. A Teoria dos Eons, por sua vez, posiciona Thelema como a vanguarda de uma evolução cíclica da consciência humana, o Eon de Hórus, que transcende os paradigmas espirituais anteriores em busca de maior soberania e despertar individual.
A Ordo Templi Orientis (O.T.O.) atua como o veículo estrutural e prático para a vivência de Thelema. Sua história, marcada pela transição de uma ordem com raízes maçônicas para uma organização centrada na Lei de Thelema sob Crowley, e a subsequente legitimação legal após disputas de sucessão, demonstram sua capacidade de adaptação e institucionalização. Através de um sistema de graus iniciáticos, rituais como a Missa Gnóstica – que integra simbolismos místicos e sexuais para a transformação da consciência – e diversas práticas individuais, a O.T.O. oferece um caminho estruturado para que seus membros descubram e manifestem sua Verdadeira Vontade.
Em suma, Thelema e a O.T.O. representam um caminho espiritual distintivo, que convida o indivíduo a uma jornada de autodescoberta radical, empoderamento pessoal e alinhamento com um propósito cósmico. Para o não iniciado, compreender Thelema exige ir além das percepções superficiais e reconhecer sua profundidade filosófica, sua ética de responsabilidade individual e seu compromisso com a liberdade em sua acepção mais plena.
Para auxiliar na compreensão dos conceitos-chave da Thelema, a tabela a seguir oferece um resumo conciso:
Tabela 2: Conceitos-Chave da Thelema e suas Definições
| Conceito | Definição Concisa |
| Thelema | Sistema religioso-mágico-filosófico fundado por Aleister Crowley, baseado na “Vontade”. |
| Magick | A Ciência e Arte de causar Mudança em conformidade com a Vontade, com ‘k’ para diferenciar de ilusionismo. |
| Verdadeira Vontade | O propósito único e divino de um indivíduo, ditado por sua própria natureza. |
| Sagrado Anjo Guardião (SAG) | O Eu Superior, a encarnação do Espírito Coletivo, cujo Conhecimento e Conversação é o objetivo principal da Magick. |
| Grande Obra | O processo de obter conhecimento, conversar com o SAG e realizar a Verdadeira Vontade; a busca pela auto-realização. |
| Novo Eon | A nova era espiritual inaugurada pela revelação do Liber AL vel Legis. |
| Missa Gnóstica | Ritual central da O.T.O. e E.G.C., uma liturgia eucarística que transmite princípios Thelêmicos. |
| Liber AL vel Legis | O Livro da Lei, texto fundamental da Thelema, ditado a Crowley por Aiwass, considerado inalterável. |
