A Filosofia de Thelema

Thelema não é exatamente, como muitos poderiam pensar, uma nova religião ou simples técnica de Magia, mas uma nova filosofia, uma nova ética. É a filosofia que afirma o direito inerente de todo homem e de toda mulher a construir uma ética pessoal conforme as bases de sua Única e Verdadeira Natureza, portanto é uma filosofia que toma tanto como base, quanto como objetivo o próprio homem. É uma Lei de Liberdade em que a Verdadeira Vontade é alçada ao máximo e identificada com a centelha divina que habita em cada homem e cada mulher, correspondendo, em seu grau mais elevado, a um produto direto e concreto do Deus que habita em cada um de nós.


Eu sou a chama que queima em todo coração do homem e no núcleo de toda estrela. Eu sou Vida e o doador da Vida, no entanto, o conhecimento de mim é o conhecimento da morte.

AL II:6

Eu estou só: não há Deus onde Eu estou.

AL II:23

Esta Lei de Liberdade demanda o despertar da chama divina em nossos corações e o conhecimento consciente da Verdadeira Vontade desta chama, em realidade, o fito de nossas vidas e a razão pela qual nos foi possível o privilégio de descender à matéria. Diz-se privilégio por que em Thelema a vida é um presente, uma dádiva, e não uma maldição ou castigo.

Este despertar da chama exige um processo Alquímico, uma união sagrada entre aquilo que em nós é imortal e divino e aquilo que em nós é mortal e humano. E aqui se encontra a verdadeira diferença entre Magia e Feitiçaria. O Mago é aquele que, tendo efetuado o casamento Alquímico, realiza sua Vontade a partir dos poderes inerentes ao seu próprio ser, parte portanto do Micro para o Macrocosmo; o Feiticeiro é aquele que, sem a mínima noção desta Alquimia interior, executa ritos na tentativa de dominar o Macrocosmo, ignorando o seu próprio Microcosmo, procurando apenas a ilusão da sedução. O Mago é aquele que contém a Sabedoria de Deus; o Feiticeiro, apenas o tolo que, tal qual o Demiurgo, julga saber.

Podemos fazer a síntese da Lei de Thelema através de duas pequenas frases:

  • “Faze o que tu queres será o todo da Lei.” (AL I:40)
  • “Amor é a lei, amor sob vontade.” (AL I: 57)

A Lei é a apoteose da Liberdade, mas é também a mais estrita das imposições. “tu não tens direito senão fazer a tua vontade. Fazei isto, e nenhum outro dirá não.” (AL I:42-43) Temos aí o verdadeiro e mais sagrado paradigma da Lei de Thelema.

A liberdade para realizar a Verdadeira Vontade deve ser absoluta e irrestrita, mas que fique bem compreendido que “Faze o que tu queres” não significa “Faze o que te der na telha, ou qualquer coisa que quiseres”, o “tu” presente nesta frase deve ser motivo da mais profunda e completa reflexão, pois é na compreensão dele que se encontra a solução para o paradigma.

“Decifra-me ou te devoro”, é a inscrição na esfinge.

A Lei de Liberdade demanda de cada indivíduo um mergulho profundo em sua própria natureza com o firme propósito de reconhecer conscientemente quais os grilhões que restringem a sua liberdade; numa segunda fase, exige do indivíduo a mais rigorosa disciplina para quebrar esses grilhões.

A palavra de Pecado é Restrição.

AL I:41

Um homem que se submete cegamente aos ditames de sua natureza animal, sejam eles instintos sexuais, de sobrevivência ou de qualquer outro tipo, não é um homem livre; do mesmo modo também é escravo aquele que se restringe ao intelecto, às emoções ou a qualquer outro tipo de paixão, bem como às solicitações de seu corpo físico.

Corpo Físico, Mente e Coração são apenas ferramentas do Espírito e devem ser submetidos à mais rigorosa disciplina, a fim de se alcançar o mais perfeito equilíbrio que possibilitará ao Espírito tomar as rédeas do aparato humano e manifestar a sua Verdadeira Vontade na matéria. Qualquer desequilíbrio na balança forma imediatamente um grilhão e faz surgir a dor que vela a visão do homem em relação a seu Espírito Divino, o canal de comunicação entre Alma e Espírito é rompido e os Amantes deixam de ser Um, para se tornarem Dois. A divisão é a origem de toda dor.

Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada, e a alegria da dissolução tudo.

AL I:30

A Verdadeira Vontade é um dom do Espírito, do Deus que habita em nós, o verdadeiro “tu” da frase “Faze o que tu queres…”

Para que o Deus possa realizar o fito que o impulsiona à encarnação, ou seja, a sua Vontade, necessita que seu Templo seja limpo de todas as impurezas; somente a harmonia completa do aparato humano possibilita ao espírito a mais plena liberdade de ação. Somente um Templo sem máculas, uma taça purificada pode permitir que um Deus finalmente venha à encarnação, que se manifeste concretamente no aparato físico que construiu para atuar na matéria. Mas que aqui não se confunda pureza com moralidade, pois a pureza de que se fala transcende qualquer regra moral estabelecida pela sociedade; a pureza de que se fala diz respeito à fidelidade do homem em relação àquilo que ele verdadeiramente É, o despojar das máscaras que se adquiriu ao longo da vida e que são tudo, mas não o “Eu sou”. Não há mal nas máscaras, as máscaras fazem parte do teatro da vida, o mal está em não as utilizar de modo consciente e com objetivo definido em direção ao nosso próprio entendimento do Universo, confundindo as marcas do espaço.

Caso não seja isto certo; se vós confundires as marcas do espaço, dizendo: Elas são uma; ou dizendo, Elas são muitas, se o ritual não for sempre para mim: então esperai os terríveis julgamentos de Ra-Hoor-Khuit!

AL I:52

Um Mago é aquele que utiliza todos os componentes de seu próprio ser nas devidas proporções tomando-os num esforço único em direção à sua Verdadeira Vontade, mas para que ele assim o faça precisa primeiramente identificar estes componentes. Assim, o “Conhece-te a ti mesmo” é um dos fundamentos da Lei de Thelema.

Liberdade implica em assumir responsabilidade, um escravo não responde por seus atos; o que realmente caracteriza um homem livre é que ele utiliza as frases “Eu sou”, “Eu fiz ou não fiz”, enquanto o escravo diz “Eu sou por que…”, “Eu fiz ou não fiz por que…”

Agora uma maldição sobre Porque e seus parentes! Possa Porque ser amaldiçoado para sempre!Se Vontade para e chama Porquê, invocando Porque, então Vontade para & nada faz.

AL II:28-30

Ainda em relação à Verdadeira Vontade, Crowley escreve que “a verdadeira Vontade deve ser realizada com Unidade de propósito, desprendimento e paz”.

Pois vontade pura, desembaraçada de propósito, liberta do desejo de resultado, é em todo modo perfeita.

AL I:44

Deixe que a Vontade flua, livre de qualquer obstáculo ou “porquê”, seja uma taça pura, vazia, um relicário onde a mais sagrada jóia de sua essência irá se manifestar. Faça de seu corpo e alma um canal aberto e livre por onde possa ser ouvida a voz daquilo que você realmente é, do seu “Eu sou”. Permita-se o êxtase da Suprema União plasmada no Amor entre o Divino e o Humano, entre o Imortal e o Mortal e então as alegrias afastarão toda a dor e compensarão todo o sofrimento.

Então disse o profeta e escravo da bela: Quem sou Eu, e qual será o sinal? Assim ela respondeu-lhe, curvando-se para baixo, uma bruxuleante chama de azul, tudo tocando, toda penetrante, suas amáveis mãos sobre a terra negra, & seu corpo flexível arqueado por amor, e seus pés macios não ferindo as pequenas flores: Tu sabes! E o sinal será meu êxtase, a consciência da continuidade da existência, a onipresença de meu corpo.

AL I:26

Obedecei meu profeta! Ide até os ordálios de meu conhecimento! Procurai-me apenas! Então as alegrias de meu amor irão vos redimir de toda a dor.

AL I:32

Lembrai todos vós que a existência é pura alegria; que todas as tristezas são apenas como sombras; elas passam & acabam; mas há aquilo que permanece.

AL II:9

Eu sou a Serpente que dá Conhecimento & Deleite e glória brilhante, e agita os corações dos homens com embriaguez. Para adorar-me tomai vinho e drogas estranhas sobre as quais Eu falarei ao meu profeta, & embriagai-vos disto! Eles não vos prejudicarão de forma alguma! Isto é uma mentira, esta tolice contra si. A exposição da inocência é uma mentira. Sê forte, ó homem! deseja, aproveita todas as coisas dos sentidos e arrebatamento: não temais que qualquer Deus te negará por isto.

AL II:22

Ah! Ah! Morte! Morte! tu ansiarás pela morte. Morte é proibida, ó homem, para ti. A extensão de teu anseio será a força da sua glória. Aquele que vive longamente & deseja muito a morte é sempre o Rei entre os Reis.

AL II:73-74

Amor é a lei, amor sob vontade.

AL I:57


No idioma grego AGAPE, Amor, tem o mesmo valor numérico de THELEMA, Vontade. Portanto, entendemos que a Vontade é da natureza do Amor.
A essência do Amor reside no êxtase de Dois que querem se tornar Um. O Amor é na verdade uma fórmula Universal de alta magia onde se busca a cura para a dor da divisão. Cura esta alcançada no supremo êxtase da Unidade.

Em Liber II está escrito: “embora a natureza da Vontade seja o amor, este Amor não a contradiz, nem a sobrepuja; e se em qualquer crise uma contradição se ergue é a Vontade que nos guiará corretamente”.

Assim, embora a Vontade seja da natureza do amor, esta natureza não se opõe a ela, mas sim se une em perfeita ressonância com o fim a ser alcançado. E este é o único e verdadeiro amor, tudo o mais é ilusão, fumaça oriunda do fogo da paixão, cujas chamas são alimentadas pelo sofrimento da queda, da divisão, da sensação de solidão.

O Amor é o meio pelo qual a Vontade se plasma e efetua a sua manifestação.
A Vontade se origina da eterna necessidade do Universo ou Deus em crescer, aprofundar o conhecimento sobre Si Mesmo. O Um então se divide em Dois, Três… Dez… Até que o eterno retorno à Unidade novamente volte a acontecer. Esta múltipla divisão lhe permite obter milhares de novas experiências que ampliam os limites de sua própria consciência e sabedoria. A essência do impulso divino que gera a divisão de Si Mesmo é o Amor, o desejo de União das Trevas com a Luz, do Nada com o Todo. Somos, enquanto centelhas divinas, crianças e frutos deste amor, tal qual o Universo, trazemos em nossa essência Sombra e Luz e, tal qual o Universo, buscamos a união dos opostos, em busca do supremo êxtase de experimentar a plenitude de nossas essências. Este impulso é natural à própria vida.

Nenhuma, sussurrou a luz, esvaída & feérica, das estrelas, e duas. 
Pois estou dividida por causa do amor, pela chance de união. Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada, e a alegria da dissolução tudo.

AL I:28-30

O Amor é o único laço de união possível entre uma coisa e a outra que lhe corresponde, o cadinho onde é possível plasmar a união de opostos, realizar a Grande Obra.

A palavra de Pecado é Restrição. Ó homem! não recuses tua esposa, se ela quiser! Ó amante, se tu queres, parte! Não há laço que possa unir o dividido senão amor: tudo além é uma maldição. Amaldiçoado! Amaldiçoado seja isto pelos æons! Inferno. Deixai aquele estado de multiplicidade limitado e repugnante. Assim com vós todos; tu não tens direito senão fazer a tua vontade. Fazei isso, e nenhum outro dirá não.

AL 41-43

Vimos então, que Liberdade é conseqüência direta da identificação da Verdadeira Vontade. Temos então definidos os três pontos básicos da Lei:

  • Vontade
  • Amor
  • Liberdade.

A imagem da Lei é dada através da analogia do ritmo ordenado das órbitas celestes.

Uma Verdadeira Vontade jamais se choca com uma outra Verdadeira Vontade. Em verdade, sendo cada indivíduo uma estrela do corpo de Nuit, a sua Vontade reflete a própria Vontade Universal, sendo ela nada mais do que um aspecto particular de uma Vontade Geral. Todas as Vontades estão em verdade de acordo e harmônicas, seguindo o fluxo de amor do universo e ao final confluem para um mesmo ponto, confabulam para um mesmo fim, a ampliação e progresso do próprio Universo.

Had! A manifestação de Nuit. O desvelar da companhia do céu. Todo homem e toda mulher é uma estrela. Todo número é infinito; não há diferença.

AL I:1-4

Sê tu Hadit, meu centro secreto, meu coração & minha língua.

AL I:6

Eu estou sobre vós e em vós. Meu êxtase está no vosso. Minha alegria é ver vossa alegria.

AL I:30

Agora, portanto, Eu sou conhecida de vós por meu nome Nuit, e dele por um nome secreto que Eu lhe darei quando por fim me conhecer. Visto que Eu sou Espaço Infinito, e as Estrelas Infinitas de lá, fazei vós também assim. Nada restrinjais! Que não haja diferença feita em meio a vós entre uma coisa qualquer & outra coisa qualquer; pois por meio disso vem dor.

AL I:22

Na esfera Eu sou em toda parte o centro, como ela, a circunferência, em lugar nenhum é encontrada.

AL I:3

É apenas o equívoco das mentes que ignoram que causa atrito e confusão, quando um homem se integra à sua natureza divina ele se torna o sagrado relicário da Sabedoria Divina, tornando-se cônscio de sua órbita própria. A única consequência possível a este ato é a ordem, não há conflito, não há inveja, não há ciúmes ou sentimentos de posse, todas as vontades são respeitadas.

Poderíamos aventar a hipótese de que dentre os milhares de seres que povoam o mundo seria impossível que dois ou mais não se interessassem por investigar um mesmo objeto. Esta hipótese é refutada pelo fato de que um mesmo objeto pode ser investigado sob diversos ângulos ou aspectos que geram milhares de outros ângulos ou pontos de vista. Assim, embora existam milhares de estrelas existe ainda um múltiplo muito maior de possibilidades de investigação, todas estas investigações sendo gerenciadas por uma Ordem Universal, o infinito Nada e Todo que conhecemos sob o nome Nuit que cria o mundo por amor ao amor. Sendo assim, o choque entre duas verdadeiras órbitas jamais chega a acontecer.

Assim vemos que a Lei de Thelema tem como finalidade transformar o mundo a partir das consciências individuais. Entendemos que a verdadeira caridade é aquela que fazemos conosco mesmos, cada Deus que encarna e manifesta a sua Vontade agrega Luz e Sabedoria ao mundo, impulsiona a humanidade ao verdadeiro progresso espiritual.

Isto regenerará o mundo, o pequeno mundo minha irmã, meu coração & minha língua, para quem Eu envio este beijo.

AL I:53